Recuperar a dignidade do funcionalismo, reconstruir a administração pública estadual

O nosso compromisso com os funcionários públicos paranaenses sempre foi muito claro: respeito, diálogo e recuperação das defasagens salariais acumuladas em quase uma dezena de anos. Não apenas isso, mas sobretudo a reconquista da auto-estima, roubada pelo descaso com que o funcionalismo foi tratado nesses anos de glória do neoliberalismo, da privatização do Estado.

A mentalidade reinante nos últimos anos, no Estado e na República, indigitava a figura do funcionário público, dos homens e das mulheres do aparelho estatal-burocrático, como apenas mais um fardo a ser suportado pelos cidadãos contribuintes. Ou, então, como a mais pesada rubrica a administrar, uma idéia que, na verdade, agasalhava evidentes interesses no desmanche das estruturas permanentes do Estado democrático e eficiente.

Hoje, caminhamos exatamente na rota oposta. O Estado desmantelado pelas políticas neoliberais tem que ser recomposto e o funcionalismo público, componente humano insubstituível na realização das finalidades coletivas, deve ser revalorizado. No Paraná, essa tarefa exige um grande esforço para aplainar os maus-tratos e mesmo a indiferença sofridos pelas diversas categorias funcionais ao longo dos últimos anos.

Imaginávamos, antes de assumir o governo, um panorama de dificuldades, ainda que fosse pouca a divulgação dada às denúncias de ausência de uma política de recursos humanos sólida e compatível com os princípios constitucionais de uma administração pública eficiente.

No entanto, uma realidade muito mais sombria revela-se aos poucos nos levantamentos, dados e números, somente agora conhecidos, bem como o convívio com problemas crônicos trazidos diariamente ao conhecimento do governador e do secretário de Estado. É um quadro grave que se reflete na remuneração, na renovação de quadros, na capacitação e mudança de mentalidade adequada aos novos conceitos de gestão pública.

Nos primeiros dias de Governo, veio a surpreendente lista de pendências financeiras para implantação já na folha de pagamento de janeiro. A cada contato com lideranças de associações de classe surgia uma nova lista de várias pequenas e grandes questões sem solução, mas a exigir encaminhamento viável, legal e imediato.

Os servidores públicos do Estado do Paraná estão sem reajustes gerais anuais desde 1995, contrariando disposições legais. Algumas categorias tiveram melhoria isolada de vencimentos por atribuição de vantagens, sem que fosse precedida de lei ou revisão geral de tabelas. O pagamento do terço de férias, por exemplo, vinha sendo feito de forma escalonada, inclusive para o pessoal do magistério, subtraindo o usufruto de sua real finalidade, que é o acréscimo de ganho para o período de descanso.

Leis foram elaboradas e aprovadas no segundo semestre do ano passado, mas não foram implantadas no mesmo exercício, transferindo-se assim os ônus financeiros para vigorar a partir do ano seguinte, isto é, neste ano. Há cronogramas pré-fixados nas próprias leis para implantação de enquadramentos, progressões e promoções.

Vejamos alguns exemplos da herança que nos atribuíram: o quadro próprio do Estado, que disciplina as carreiras dos cerca de 20 mil servidores públicos que prestam serviço nas secretarias e autarquias sofreu alterações em julho de 2002. Houve o estabelecimento de novas tabelas, critérios de progressão e promoção. Feitos os enquadramentos, foi autorizada a primeira promoção para os ocupantes do nível superior.

Entretanto, os reflexos nos vencimentos não foram pagos, o que gerou a necessidade de compor os atrasados, desde outubro, inclusive o décimo terceiro salário. Estes servidores chegaram a receber o contracheque mas o dinheiro não foi depositado em suas contas correntes.

Igual situação sofreu o avanço diagonal anual de 33.343 professores. Pagas as parcelas de dezembro de 2002 e décimo terceiro, estavam em aberto os valores de outubro e novembro de 2002, honrados no primeiro mês de nosso Governo.

Nesses primeiros meses de governo já demos avanços significativos para honrar o compromisso restabelecer a dignidade dos professores. Enumeramos a seguir algumas medidas, recentemente tomadas, em favor da nossa educação e do nosso magistério:

a) pagamento do terço de férias;

b) elevação de 10 para 20% da hora-atividade (hora para preparação de aulas);

c) realização de concurso público para 16 mil professores, pondo fim à ameaça de privatização do ensino;

d) eliminação do período probatório aos professores que, aprovados no concurso, já contarem com 3 anos de atividade na rede estadual de ensino;

e) viabilização dos avanços atrasados;

f) suspensão do desconto previdenciário nas aposentadorias;

g) envio à Assembléia Legislativa de Projeto de Lei Complementar que possibilita a transformação dos contratos de 20 horas para 40 horas;

h) aprovação pelo Conselho Estadual de Educação do novo estatuto da Educação Especial;

i) revogação da legislação autoritária para escolha de diretores;

j) reconhecimento da condição de funcionários públicos aos professores do “Fundinho”;

k) restabelecimento da carga de 25 horas semanais no ensino noturno;

l) restabelecimento do contra-turno nas escolas estaduais de 1.ª a 4.ª séries;

m) criação da Coordenação da Educação no Campo;

n) restabelecimento dos Jogos Colegiais em todas as regiões do Paraná;

o) o governo discute com seriedade e pretende, com brevidade, enviar à Assembléia o novo Plano de Cargos e Salários dos professores.

Também foram quitados os montantes devidos pela reestruturação das carreiras de mais de 3 mil policiais civis e 17.923 policiais militares, em cumprimento às leis publicadas em setembro de 2002. Foram quitadas, igualmente, as progressões dos 945 funcionários do Iapar.

Enviamos à Assembléia anteprojeto de lei que corrige os salários dos pilotos do Estado. Foi reformulado o enquadramento dos profissionais médicos, com a anulação de ato inconstitucional praticado na gestão anterior. Implantamos ainda a paridade de remuneração para os auditores fiscais inativos, em decorrência de aplicação de lei complementar não cumprida integralmente no ano passado.

Isto tudo sem detalhar casos de promoção de grupos de servidores de diversas carreiras também não efetuada nos prazos regulares, gerando um passivo para recuperação em uma ou várias parcelas.

Em reconhecimento aos sucessivos pronunciamentos da Justiça sobre a contribuição previdenciária dos inativos, suspendemos a cobrança para abranger aqueles que não detinham ordem judicial, atendendo assim o princípio da isonomia.

Quanto à situação da Previdência em nosso Estado, se ela não chega à realidade crítica de outras unidades da Federação e de tantos municípios, ela não deixa de ser preocupante. A Paraná Previdência paga quase 90 mil aposentadorias e pensões, que custam R$ 92,6 milhões por mês. A maior parte dos benefícios é paga pelo Tesouro Estadual, porque apenas R$ 23 milhões são arrecadados dos funcionários da ativa.

Quer dizer, a Previdência do servidor paranaense registra um déficit mensal de R$ 70 milhões. É uma situação ruim, embora menos grave que a de alguns estados e municípios que chegam a comprometer mais de 50% do orçamento com as aposentadorias. Nós estamos comprometendo pouco mais de 10% do nosso orçamento com a Previdência do servidor.

Pretendemos agora, propor à Assembléia Legislativa a legalização dos quase 18 mil cargos das instituições de ensino superior. Pretendemos, da mesma forma, reconhecer a situação de fato de mais de 3 mil trabalhadores que prestam serviços no Estado, há mais de 10 anos, sem os direitos correspondentes.

Esse conjunto de fatos, todo ele suficientemente exemplificado deve ser levado ao conhecimento público, porque é inaceitável o grau de responsabilidades assumidas e transferidas, sem maiores cautelas, de uma gestão para outra. No estado democrático de direito as leis são aprovadas e votadas para sobreviver às pessoas dos governantes, residindo aí o seu caráter de impessoalidade. No entanto, é inadmissível o comprometimento quase que integral das possibilidades orçamentárias, ou além das possibilidades orçamentárias para gerenciamento futuro. É uma irresponsabilidade administrativa. É uma questão moral, que transborda os aspectos formais da Lei de Responsabilidade Fiscal.

No que se refere, ainda, às dificuldades orçamentárias diga-se que, para 2003, estão previstas despesas de pessoal do Poder Executivo equivalentes ao executado em 2002. Uma quantia em torno R$ 3,4 bilhões.

Mas, como no projeto de lei orçamentária os acréscimos de remuneração de carreiras não foram previstos, serão necessários cerca de R$ 600 milhões em créditos adicionais para atendê-los, o que somente poderia ser coberto com incremento de arrecadação e com o difícil processo de cortes de outras despesas e investimentos, comprometendo, assim, algumas funções essenciais da administração.

Ainda, na busca da recuperação da auto-estima do funcionalismo público estadual, vamos investir fortemente em sua capacitação. Assim, instituiremos a Escola de Governo, como determinado por lei, já que a palavra capacitação esteve excluída da programação dos órgãos públicos nos últimos oito anos.

Capacitar significa o treinamento constante para atividades operacionais e técnicas, e a estratégica qualificação de gestores, ou seja, daqueles que são incumbidos de pensar o Estado, sua magnitude, seu objetivo, seu tamanho, seu organograma, seus fluxos evitando superposição de atividades e desperdício de dinheiro público.

É bom lembrar ainda que os novos ingressos foram suprimidos, com exceção de alguns concursos isolados, optando-se pela terceirização indiscriminada e cara, inclusive nas funções permanentes do Estado. Reverter este quadro implica muitas vezes na criação de cargos hoje insuficientes e na organização de concursos públicos sérios, o que não pode acontecer sem planejamento e organização.

A verdade, a dura verdade é que a administração de pessoal ou a política de pessoal está comprometida por um longo período. O governo não pode ser mero pagador das obrigações assumidas anteriormente sob pena de mutilar, pelos próximos anos, a sua capacidade de programar ou organizar sem sobressaltos diários.

A urgência no planejamento e na fixação de metas, a partir da real situação encontrada, é um desafio, não apenas retórica. A pressão oriunda das angústias dos servidores, por si só, é inócua. Temos plena consciência das necessidades e da justiça de grande parte das reivindicações. Permanece o nosso compromisso com a transparência, com o equilíbrio das contas públicas, com a legalidade, com a coerência.

Para a grande tarefa da mudança, convocamos servidores e governantes em torno de um objetivo comum. Confiança, respeito e paciência são condições indispensáveis para a difícil, mas necessária e honrosa tarefa de reconstruir a administração pública paranaense.

É o que já estamos fazendo.

* Roberto Requião é governador do Paraná.

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